The death of Miguel Bonneville
interview by miguel matos for time out lisboa, january 25-31, 2012
[original version of the interview, in portuguese, below]

The artist bids farewell to his ghosts and orchestrates a morgue at Galeria 3+1. Miguel Matos attended to pay his respects.

Miguel Bonneville is a creator who has opted for the less conventional path in the Portuguese artistic landscape: autobiography. Bonneville studied theater and turned to performance as an act of defiance. From there, he delved into drawing and installation. Throughout it all, the common thread is one: Miguel Bonneville himself. In ‘Morgue,’ the artist sheds his past to seek something unknown. To do so, he stages his demise as the sole means of vanishing.

Is ‘Morgue’ a transitional exhibition?
This exhibition is the space between the end and the beginning of something else. The morgue is where people go to identify the body. I wanted this identification to be made to conclude this series.

At each juncture of your journey, you explore a persona that resonates with you, yet it’s unclear what is true and what is fiction…
The personas emerged for me to grasp certain aspects of my life. They are enactments of something I must comprehend and assimilate. Now they have faded away and been reintegrated into me.

In the evolution of your performances, have these characters become redundant?
Yes, they began to see the light at the end of the tunnel, where I am the beacon at the end of the fame tunnel I’ve created for myself. I want my characters to meet their ends with all they are entitled to, hence the forthcoming funeral.

In the exhibition, along with the props of the characters, neatly packaged and labeled, there are also drawings…
One of the drawings depicts my body on what resembles a morgue table, coffin, or tomb. It lies on a white plinth and is nearly life-sized. The other drawings serve as a departure point for something else. One drawing is a still life composed of deceased animals that invariably represent me. It’s an allusion to hunting trophies – a nod to my bourgeois upbringing. My personas are also my trophies; everything is interconnected and transitioning to another phase between the deceased and the living.

The autobiographical path is an uncommon one for Portuguese artists. What repercussions has this brought upon you?
It wasn’t a deliberate choice to create autobiographical works. Initially, what I produced was deeply autobiographical, although I didn’t recognize it as such then. They were experiences I had to undergo; I didn’t really think about it. I thought it was more about the artistic milieu than about me. In recent years, I’ve been reconstructing my identities. Yet, I’ve encountered several challenges due to my focus on autobiography. People perceive it as mere narcissism. They question why I don’t pursue therapy instead of performance… and I did try therapy, but it’s unrelated. My work isn’t about self-aggrandizement or the need to showcase myself and recount my life. It’s precisely the opposite: it’s about overcoming my inner discomfort. These notions arise because people are often reticent to introspect.

And after ‘Morgue,’ have you finally managed to lay all your ghosts to rest?
I believe the narrative surrounding my story has been so thoroughly explored that there’s little left to uncover. For now, it’s resolved, and I’m weary of dwelling on it. I’m seeking new avenues. This exhibition marks a transition, with only the funeral and my mourning left.


A morte de Miguel Bonneville
entrevista realizada por miguel matos para a time out lisboa, 25-31 de janeiro de 2012

O artista deixa para trás os seus fantasmas e encena uma morgue na Galeria 3+1. Miguel Matos foi velar os corpos.

Miguel Bonneville é um criador que escolheu o caminho menos usual no meio artístico português: a autobiografia. Bonneville estudou teatro e passou a fazer performance como acto de rebeldia. Daí passou para o desenho e a instalação. Nisto tudo, o denominador comum é um: Miguel Bonneville, ele próprio. Em “Morgue”, o artista abandona o seu passado para procurar algo que desconhece. Para isso simula a sua morte como única forma de desaparecer.

“Morgue” é uma exposição de transição?
A exposição é aquilo que está entre o final e o início de outra coisa. A morgue é o sítio onde as pessoas vão identificar o corpo. Queria ter essa identificação feita para concluir esta série.

Em cada fase do teu percurso, exploras uma persona que se liga a ti, mas nunca sabemos exactamente o que é verídico e o que é ficção…
As personas surgiram para eu perceber algumas coisas da minha vida. São encenações de algo que eu tenho de perceber e integrar. Agora elas foram desaparecendo e foram reintegradas em mim.

No desenvolvimento das tuas performances, essas personagens deixaram de ser necessárias?
Sim, começaram a ver a luz ao fundo do túnel, sendo que eu sou a luz no fundo do túnel da fama que eu próprio criei. Quero que as minhas personagens cheguem ao fim com tudo a que têm direito e, por isso, a seguir haverá ainda o momento do funeral.

Na exposição, para além dos adereços das personagens, embalados e etiquetados, há também desenhos…
Um dos desenhos é o meu corpo numa espécie de mesa de morgue, caixão ou túmulo. Está deitado num plinto branco e é quase em tamanho real. Os outros desenhos são uma espécie de partida para outra coisa. Há um desenho que é uma natureza-morta feita de animais mortos que são sempre eu. É uma alusão aos troféus de caça – o que tem a ver com o meu background burguês.
As minhas personas são também os meus troféus, está tudo ligado e a caminhar para outra fase entre o morto e o vivo.

O caminho autobiográfico é um aspecto estranho para os artistas portugueses. Que consequências isso te tem trazido?
Não foi uma escolha fazer trabalhos autobiográficos. O que eu fazia no início era profundamente autobiográfico, mas eu não achava que o fosse, na altura. Eram coisas que eu tinha de viver, não pensava nisso. Achava que era mais sobre o meio artístico em si do que propriamente sobre mim. Nos últimos anos tenho andado a trabalhar na reconstrução das minhas identidades. Mas tenho tido vários problemas por trabalhar na minha autobiografia. As pessoas acham que não passa de uma coisa narcísica. Perguntam-me porque é que eu não faço terapia em vez de performance…e eu até fiz, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. O meu trabalho não é sobre eu achar-me o máximo, ou muito giro, ou ter necessidade de me mostrar e falar sobre a minha vida. É precisamente o contrário: é sobre ultrapassar o meu desconforto comigo próprio. Essas ideias aparecem porque as pessoas têm muito medo de falar sobre elas próprias.

E depois da morgue, conseguiste finalmente enterrar todos os teus fantasmas?
Acho que era história que gira à volta da minha história já foi tão explorada que começa a não haver mais por onde pegar. Por agora está resolvida e já me cansa estar a resolver isto. Estou a querer procurar outras coisas. Esta exposição está na passagem, ficando apenas a faltar o funeral e o meu luto.